"Ser educador é muito mais do que ser professor. Para ser educador, não basta conhecer teorias, aplicar metodologias, é preciso uma predisposição interna, uma compreensão mais ampla da vida, um esforço sincero em promover a própria autoeducação, pois o educador verdadeiro é aquele que, antes de falar, exemplifica; antes de teorizar, sente e antes de ser um profissional é um ser humano." (Incontri)


"É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática." (Paulo Freire)


"Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar e para convencer, para corrigir e para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e preparado para as boas obras” (2 Tm 3, 16-17)

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sábado, 27 de outubro de 2012

DIALOGANDO COM PAULO FREIRE E VYGOTSKY SOBRE EDUCAÇÃO

MARQUES, Luciana Pacheco – UFJF – lupmarques@uol.com.br
MARQUES, Carlos Alberto – UFJF – carlos.marques@pesquisador.cnpq.br
GT: Educação Fundamental / n. 13
Agência Financiadora: CNPq

As obras de Paulo Freire e Vygotsky têm sido reconhecidas como uma contribuição original e destacada ao pensamento pedagógico universal. De origens diferentes, Paulo Freire, brasileiro, da cidade de Recife, tendo vivido de 1921 a 1997; e Vygotsky, de Orsha, na Bielo-Rússia, tendo nascido em 1896 e falecido em 1934, propõem questões que se entrelaçam na direção de uma educação cidadã. Nossa questão se coloca, então, da seguinte forma: Quais os pontos de aproximação entre as teorias freireana e vygotskyana no que se refere ao processo pedagógico? Paulo Freire é um
dialético.

Vygotsky é um dialético. Um princípio básico das duas obras é o da educação como uma prática ético-política. Conforme Gadotti (2002), Embora não se possa falar com muita propriedade de fases do pensamento freireano, pode-se pelo menos dizer que a influência do marxismo deu-se depois da influência humanista cristã. São momentos distintos, mas não contraditórios.

Como afirma o filósofo alemão Woldietrich Schmied-Kowarzik, em seu livro Pedagogia dialética, Paulo Freire combina temas cristãos e marxistas na sua pedagogia dialético-dialógica. Paulo Freire é um dialético. A
educação é uma prática antropológica por natureza, portanto ético-política.

Por essa razão, pode tornar-se uma prática libertadora. O tema da libertação é ao mesmo tempo cristão e marxista. O método utilizado é que é diferente, a estratégia é diferente. O fim é o mesmo. Encontramos Hegel como referência desde o início. A relação opressor-oprimido lembra a relação senhor-escravo de Hegel.

Depois veio Marx, Gramsci, Habermas. Seu pensamento é humanista e dialético. Inserido num contexto político e social de grande efervescência na Rússia pósrevolução bolchevista, Vygotsky buscou fundamentar seus estudos sobre o funcionamento intelectual humano nos pressupostos marxistas então dominantes. Vislumbrou, pois, como relevante a aplicação do materialismo histórico e dialético para a psicologia.

Nas palavras de Cole e Scribner (1991, p. 7), Vygotsky viu nos métodos e princípios do materialismo dialético a solução dos paradoxos científicos fundamentais com que se defrontavam seus contemporâneos. Um ponto central desse método é que todos os fenômenos sejam estudados como processos em movimento e em mudança. Em termos do objeto da psicologia, a tarefa do cientista seria a de reconstruir a origem e o
curso do desenvolvimento do comportamento e da consciência.

Um primeiro ponto de aproximação está na concepção de sujeito históricocultural
subjacente às duas teorias. Para Paulo Freire é preciso considerar a realidade social que está pautada na trama das relações e das correlações de forças que formam a totalidade social. É preciso perceber as particularidades na totalidade, porque nenhum fato ou fenômeno se justifica por si mesmo, isolado do contexto social onde é gerado e se desenvolve.

O homem e a mulher como seres sociais são capazes de agir, de representar sua
ação e expressá-la de modo objetivado. No momento de criar e recriar a realidade
procuram representá-la. No entanto, o discurso que os homens e as mulheres fazem da sua situação concreta é conflituoso, visto que o lugar que ocupam na sociedade também o é.

Seus discursos são submetidos a pressões particulares de interesses de classes
sociais. Dessa forma, as representações ideológicas são determinadas pelas estruturas
das relações sociais. É a unidade dialética que gera um atuar e um pensar críticos sobre a realidade para transformá-la. A consciência crítica é anárquica. Não poderá conduzir à desordem.

Entretanto, não é a conscientização que pode levar o povo a “fanatismos destrutivos”.
Pelo contrário, somente a conscientização poderá inseri-lo no processo histórico, como
sujeito, evitando os fanatismos e propiciando uma visão crítica da realidade, evitando,
assim, o medo da liberdade. No entender de Paulo Freire (2002, p. 24), “O medo da
liberdade, de que necessariamente não tem consciência o seu portador, o faz ver o que
não existe”.

O compromisso, próprio da existência humana, só existe no engajamento com a realidade e só assim ele é verdadeiro. A neutralidade frente aos valores, ao histórico, ao mundo, acaba por refletir o medo que se tem de revelar o compromisso contra os
homens, sua humanização, por parte daqueles que se dizem neutros.

Estão “comprometidos” consigo mesmo, com seus interesses e como este não é um
compromisso real e verdadeiro, assumem uma neutralidade impossível. Faz-se necessário reconhecer a humanização não apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade histórica. Humanização e desumanização estão inseridas na história num contexto real, concreto e são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão.

Paulo Freire (1979, 2002) ressalta a importância e a necessidade de se entender a
existência humana a partir de sua substancialidade, ou seja, o reconhecimento de todos os homens como verdadeiros sujeitos históricos. Os atributos dados aos seres humanos não podem, assim, sobrepujar o dado mais importante da existência humana: a sua presença no mundo como sujeito.

Tomando como referência o ambiente cultural onde o homem e a mulher nascem
e se desenvolvem, a abordagem vygotskyana entende que o processo de construção do conhecimento ocorre através da interação do sujeito historicamente situado com o
ambiente sociocultural onde vive. A educação deve, nessa perspectiva, tomar como
referência toda a experiência de vida própria do sujeito.

Vygotsky tornou-se o principal expoente da abordagem psicológica históricocultural,
que concebe o sujeito socialmente inserido num meio historicamente construído. Enquanto veiculador da cultura, o meio se constitui em fonte de conhecimento. Vygotsky empenhou-se na busca do entendimento sobre os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte integrante da natureza de cada ser humano.

Outro estreitamento podemos encontrar na perspectiva interativa dos dois autores, considerando o pressuposto básico da concepção freireana da educação para a libertação como um processo de comunhão entre os homens e as mulheres e a concepção interativa de desenvolvimento individual e social como propõe a teoria vygotskyana.

No pensamento de Paulo Freire, a relação sujeito-sujeito e sujeito-mundo são indissociáveis. Como ele afirma (2002, p. 68), "Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo". A relação autoritária e opressora entre as classes e os grupos sociais é criticada por Paulo Freire. Segundo ele (1998), a tomada de consciência pelo homem e pela mulher de seu inacabamento constitui um dado fundamental no processo de libertação por parte dos escravos da opressão: opressores e oprimidos. Assim como os homens e as mulheres, a realidade também é inacabada, o que permite agir no sentido da transformação de tudo e de todos.

Acreditar na transformação do mundo pelo caminho freireano da comunhão é acreditar na capacidade de todos os seres humanos alimentarem juntos o ideal utópico da mudança: uma realidade onde opressores e oprimidos se façam, de fato, livres dos elos aprisionantes do preconceito, da discriminação e da injustiça.
Existem aqueles imbuídos do desejo de mudança: o oprimido e todos os que
acreditam e percebem a utopia não como algo irrealizável, mas como o que Paulo Freire (1998) denomina de “inédito viável”, algo que o sonho utópico sabe que existe, mas que só será conseguido pela práxis libertadora.

Ao visualizar o inédito viável como um sonho, uma utopia, como algo que se
concretiza no cotidiano, o homem e a mulher começam a desvelar a sua libertação como realidade possível de ser alcançada. O estar no mundo significa empenhar-se em ações, reflexões e lutas. O homem e a mulher oprimidos, abstratos, a-históricos, passam a fazer parte do mundo, com uma percepção consciente, crítica e participativa, o que representa sua vocação ontológica.

Diz Freire (2001, p. 85), Nunca falo da utopia como uma impossibilidade que, às vezes, pode dar certo. Menos ainda, jamais falo da utopia como refúgio dos que não atuam ou [como] inalcançável pronúncia de quem apenas devaneia. Falo da utopia, pelo contrário, como necessidade fundamental do ser humano. Faz parte de sua natureza, histórica e socialmente constituindo-se, que homens e mulheres não prescindam, em condições normais, do sonho e da utopia.

Vygotsky afirma que construir conhecimento decorre de uma ação partilhada, que implica num processo de mediação entre sujeitos. Nessa perspectiva, a interação social é condição indispensável para a aprendizagem. A heterogeneidade do grupo enriquece o diálogo, a cooperação e a informação, ampliando conseqüentemente as
capacidades individuais.

 As relações sociais se convergem em funções mentais. Em relação ao processo de formação da mente humana, Vygotsky (1991a) evidencia o processo de internalização, que consiste em várias transformações:

a)             Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é
reconstruída e começa a ocorrer internamente. (...)
b)   Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). (...)

c)    A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento. (p. 64) Assim, a partir da mediação do outro ocorre o desenvolvimento dos níveis superiores da mente. Através da mediação a criança se apropria dos modos de comportamento e da cultura, representativos da história da humanidade.

Vygotsky afirma o desenvolvimento cultural como desenvolvimento social, mas
não no sentido literal do desenvolvimento das aptidões latentes e, muitas vezes, vindas
de fora. Mais freqüentemente, o deslocamento de estruturas do exterior para o interior:
uma relação de ontogenia e filogenia diferente da ocorrida no desenvolvimento orgânico. No desenvolvimento orgânico, a filogenia é potencial e é repetida na
ontogenia.

No desenvolvimento social, existe uma interação real entre filogenia e ontogenia e essa interação constitui a principal força impulsionadora de todo o desenvolvimento. A proposição da educação como um ato dialógico por Paulo Freire e da linguagem como principal elemento mediador no processo educacional por Vygotsky, traz como ponto comum a centralidade do diálogo na ação pedagógica.

Paulo Freire defende a educação como ato dialógico, destacando a necessidade
de uma razão dialógica comunicativa onde o ato de conhecer e de pensar estariam
diretamente relacionados. O conhecimento seria um ato histórico, gnosiológico, lógico e
também dialógico.

Paulo Freire (1985) destaca o diálogo como a forma mais segura para a educação
e a libertação de todos os homens e todas as mulheres, opressores e oprimidos. A forma imperativa de transmissão do conhecimento, característica do modelo tradicional, só faz, segundo ele, reforçar a dominação cultural e política, impedindo a conscientização dos homens e das mulheres.

Acredita na arte do diálogo, na contraposição de idéias que leva a outras idéias. Em sua teoria fica claro que o diálogo consiste em uma relação horizontal e não vertical entre as pessoas envolvidas em uma relação.

De acordo com Vygotsky (1991b), são estreitas as relações que ligam o pensamento humano à linguagem, uma vez que os significados das palavras, que são construídos socialmente, cumprem tanto a ação de representação quanto a de generalização, o que permite a reconstrução do real ao nível do simbólico. Essa reconstrução representa a condição de criação de um universo cultural e a construção de sistemas lógicos de pensamento, que possibilitam a elaboração de sistemas explicativos da realidade.

Do mesmo modo, essa dupla função permite a comunicação da experiência
individual e coletiva. Vygotsky (1991b, p. 131-132) conclui que:

A relação entre o pensamento e a palavra é um processo vivo: o pensamento nasce através das palavras. Uma palavra desprovida de pensamento é uma coisa morta, e um pensamento não expresso por palavras permanece uma sombra. A relação entre eles não é, no entanto, algo já formado e constante; surge ao longo do desenvolvimento e também se modifica. (...) As palavras desempenham um papel central não só no desenvolvimento do pensamento, mas também na evolução histórica da consciência como um todo. Uma palavra é um microcosmo da consciência humana.
Vygotsky (1991a) enfatizou a origem social da consciência, destacando a importância da linguagem em seu processo de constituição.

A consciência seria, portanto, dialeticamente formada na relação do sujeito com o outro e com o mundo, ela é construída no contato social e historicamente originada.

Existe um caráter de dualidade na formação da consciência na perspectiva vygotskiana. Nas palavras de Molon (2003, p. 86), Vygotsky “Enfatizou a dualidade da
consciência, a idéia do duplo, confirmada na relação eu e outro na própria consciência,
ou seja, a consciência como um contato consigo mesmo garantida no contato com os
outros”.

A concepção de consciência de Vygotsky leva a uma nova concepção de “eu”, onde a vertente individual é construída a partir da base social como um modelo da sociedade. Assim, só há eu no contexto com o outro, sendo ambos (eu e outro) mediados socialmente.

É nessa relação com o outro que as interações sociais se fazem fundamentais na formação da consciência, onde interações sociais não são entendidas apenas como as
interações imediatas entre as pessoas, mas também através de intersubjetividades anônimas.

A consciência é compreendida como a capacidade do homem de refletir sobre a sua própria atividade, de forma que ao refletir sobre a própria atividade ele toma
consciência dela.

O homem e a mulher são constituídos pela/na cultura e ao mesmo tempo constituinte desta. É dessa forma, que a consciência possui, também, seu caráter semiótico, sendo mediada pela linguagem. A relação entre o significado e o referente é estabelecida pelo sujeito, de forma que esta passa a ter um caráter singular, ou seja, depende de cada sujeito. A importância atribuída pela linguagem no processo de formação da consciência é entendida pela sua dupla função, de mediação dos processos, funções e sistemas psicológicos e pelo seu caráter semiótico, fazendo a relação entre o sujeito e o mundo (MOLON, 2003).
Para falar da consciência, Paulo Freire parte das relações dialéticas consciênciamundo. Para ele, consciência e mundo se dão simultaneamente, não havendo uma anterioridade de uma em relação ao outro. A consciência é relativa ao mundo e o mundo relativo à consciência. Isto implica que os homens e as mulheres são consciência de si e do mundo. O homem e a mulher são todo consciência.

A consciência, na perspectiva freireana, está sempre intencionada ao mundo, sendo sempre consciência de algo. Essa é a essência da consciência. Assim, a consciência é dinâmica e não um “compartimento vazio que se enche”, como propõe a educação bancária (FREIRE, 2002).

Simões Jorge (1979, p.39-40) escreve que: Na reflexão de Paulo Freire sobre a consciência, a consciência do mundo e a consciência de si vão crescendo, juntamente, num movimento dialético. A consciência é, como consciência, pelas suas relações com outras consciências: daqui que ela implica, necessariamente, uma relação com outra
consciência.

É a intersubjetividade das consciências. (...) É, pelo diálogo, que as consciências se colocam na contemplação do mundo, vão ao mundo, e comunicam-se. Neste sentido, para Freire o diálogo assume papel fundamental na constituição da consciência, pois esta é essencialmente dialógica pelas relações estabelecidas com os outros e com o mundo. No diálogo, a tomada de consciência se transforma em conscientização. Para Paulo Freire, é no diálogo e na comunhão que os homens e as mulheres se conscientizam. O diálogo é a chave para a conscientização e a humanização dos homens, das mulheres e do mundo. Nas palavras de Simões Jorge (1979, p. 55),

Este é, pois, o objetivo da conscientização: o homem, aprofundando-se na realidade, conhecendo-a criticamente, assumindo consciência crítica da mesma, se empenha em tornar mais humana esta realidade na qual e com a qual ele vive através de atos seus. A conscientização se torna, assim, o dado basilar na transformação do homem e do mundo, na libertação do oprimido e na destruição da opressão. Por ela o homem e o mundo se tornarão mais humanos: o mundo será, realmente, o mundo: o lugar de encontro dos homens.

A consciência do homem está, assim, “dentro do mundo”, havendo a dialética homem-mundo. Os homens e as mulheres se conscientizam mediatizados pelo mundo. A noção da construção do conhecimento de ambos têm o mesmo ponto de partida e de chegada. Freire aponta como ponto de partida as necessidades populares e Vygotsky, os conhecimentos espontâneos; os dois apontam o conhecimento científico como ponto de chegada.

Paulo Freire aponta o conhecimento como produto das relações entre os seres humanos e destes com o mundo. Os seres humanos devem buscar respostas para os desafios encontrados nestas relações. Para isso devem reconhecer a questão, compreendê-la e imaginar formas de respondê-la adequadamente. Daí outras questões
se colocam e novos desafios aparecem. Assim se constitui o conhecimento, ou seja, a
partir das necessidades humanas. Conhecer, na teoria freireana, é uma aventura pessoal num contexto social. Paulo Freire aponta ainda o conhecimento relacional. Diz ele (2001, p. 53):

O envolvimento necessário da curiosidade humana gera, indiscutivelmente, achados que, no fundo, são ora objetos cognoscíveis em processo de desvelamento, ora o próprio processo relacional, que abre possibilidades aos sujeitos da relação da produção de inter-conhecimentos.

O conhecimento relacional, no fundo, inter-relacional, “molhado” de intuições, adivinhações, desejos, aspirações, dúvidas, medo a que não falta, porém, razão também, tem qualidade diferente do conhecimento que se tem do objeto apreendido na sua substantividade pelo esforço da curiosidade epistemológica.

Estou convencido, porém, de que a finalidade diferente deste conhecimento chamado relacional, em face, por exemplo, do que posso ter da mesa em que escrevo e de suas relações com objetos que compõem minha sala de trabalho com que e em que me ligo com as coisas, as pessoas, em que escrevo, leio, falo não lhe nega o status de conhecimento.

Para Vygotsky a relação entre aprendizagem e desenvolvimento remete ao entendimento da relação entre os conceitos científicos e os conceitos espontâneos da
criança. Para ele (1991b), o aprendizado se dá tanto na direção ascendente quanto na
descendente. Na ascendência, o vetor indica a ação dos conceitos espontâneos, abrindo caminho para os conceitos científicos, enquanto, na descendência, indica a influência dos conceitos científicos sobre o conhecimento cotidiano, fornecendo as estruturas para o desenvolvimento ascendente do mesmo, sempre numa relação dialética.

Assim, o conhecimento, tanto o científico quanto o cotidiano, é produção cultural. Os conteúdos da experiência histórica do homem não estão consolidados somente nas coisas materiais, mas, principalmente, nas formas verbais de comunicação produzidas entre os homens. É através da linguagem que se dá a interiorização dos conteúdos, pois ela faz com que a natureza social das pessoas se torne também sua natureza psicológica.

A escola tem como função educar para transformar a si mesmo e à sociedade, contrariamente aos preceitos do modelo tradicional de ensino, denominado de educação bancária por Freire e de velha escola por Vygotsky.

Defensores da inserção de todas as pessoas na história como agentes de transformação, esses autores criticaram a verticalidade da relação educador-educando,
na qual o primeiro seria o detentor do saber e os demais os donos da ignorância absoluta, incapazes, inclusive, de pensarem e de participarem dos processos decisórios.

Os educandos e as educandas, considerados seres da adaptação, deveriam se ajustar aos modelos determinados pela ideologia dos grupos e classes dominantes. O currículo neste tipo de educação é único, sendo utilizado como forma de padronização na formação de mão-de-obra, o que cria uma hierarquização de funções, contribuindo para a imposição de uma cultura que não é a da massa popular.

Nossa atual sociedade caminha rumo a uma educação inclusiva e diante do atual contexto social dinâmico o ato educacional exige uma atitude programada daquele que educa. Um verdadeiro ato educacional, para que alcance o seu objetivo de formar um cidadão autônomo, competente e crítico, não pode se limitar a uma simples relação de
ensino-aprendizagem.

É necessário ter vontade de incidir ou intervir no processo de aprendizagem do aluno, refletindo numa série de decisões de ordem pedagógica, que envolva todo o processo educativo desde a elaboração do currículo, até as práticas escolares da sala de aula. Assim, a atividade de ensino-aprendizagem é conjunta, articulada, e determinada pela interação entre os envolvidos e a partir do social.

Paulo Freire (2002) critica a educação bancária, onde o professor e a professora depositam os conhecimentos nos alunos e nas alunas narrando-os e conduzindo-os à memorização mecânica dos conteúdos narrados.

Em suas palavras, Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.

O educador, que aliena a ignorância, se mantém em posições fixas, invariáveis. Será sempre o que sabe, enquanto os educandos serão sempre os que não sabem. A rigidez destas posições nega a educação e o conhecimento como processos de busca. (p. 58) A “educação problematizadora” ou “educação para a liberdade”, conforme propõe Paulo Freire ocorre numa relação horizontal, onde educador e educando estabelecem constante diálogo, para que o último tenha consciência de que não apenas está no mundo, e sim, com o mundo, buscando transformar a realidade. O respeito ao conhecimento prévio que o educando possui é de fundamental importância, para que se possa propor, e nunca impor, o que, e como será desenvolvido o trabalho em sala de aula.

Para Paulo Freire (2002, p. 70), “A educação como prática da liberdade, ao contrário daquela que é prática da dominação, implica a negação do homem abstrato, isolado, solto, desligado do mundo, assim como também a negação do mundo como uma realidade ausente dos homens”.

De acordo com Gadotti (2002), cabe à escola na concepção freireana: amar o conhecimento como espaço de realização humana, de alegria e de contentamento cultural; cabe-lhe selecionar e rever criticamente a informação; formular hipóteses, ser criativa e inventiva (inovar): ser provocadora de mensagens e não pura receptora; produzir, construir e reconstruir conhecimento elaborado.

E mais: numa perspectiva emancipadora da educação, a escola tem que fazer tudo isso em favor dos excluídos. Não discriminar o pobre. Ela não pode distribuir poder, mas pode construir e reconstruir conhecimentos, saber, que é poder.

A tecnologia contribui pouco para a emancipação dos excluídos se não for associada ao exercício da cidadania. A escola deixará de ser “lecionadora” para ser “gestora do conhecimento”. A educação tornou-se estratégica para o desenvolvimento. Mas para isso não basta modernizá-la. Será preciso transformá-la profundamente. (...) A escola precisa dar o exemplo, ousar construir o futuro. Inovar é mais importante do que reproduzir com qualidade o que existe. A matéria prima da escola é sua visão do futuro.

Defende Vygotsky (1991a, 1991c, 1991d) que toda e qualquer situação de aprendizagem com a qual o aluno se defronta na escola decorre sempre de fatos anteriormente vividos; o que o leva à conclusão de que os processos de aprendizagem e de desenvolvimento estão relacionados desde o nascimento da criança.

Nesse sentido, o processo de aprendizagem se iniciaria muito antes de a criança freqüentar a escola. Ressalta o autor, que o aprendizado escolar, ou melhor, o aprendizado sistematizado produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança. Afirma ele (2001, p. 456) que:

No fim das contas só a vida educa, e quanto mais amplamente ela irromper na escola mais dinâmico e rico será o processo educativo. O maior erro da escola foi ter se fechado e se isolado da vida com uma cerca alta.

A educação é tão inadmissível fora da vida quanto a combustão sem oxigênio ou a respiração no vácuo. Por isso o trabalho educativo do pedagogo deve estar necessariamente vinculado ao seu trabalho criador, social e vital.

Vygotsky (2001) critica o ensino direto da velha escola, dizendo que este extirpa
toda dificuldade do pensamento da criança, e esta tendência a facilitar contraria os mais básicos princípios educativos. Afirma ele que até hoje o aluno tem permanecido nos ombros do professor.

Tem visto tudo com os olhos dele e julgado tudo com a mente dele. Já é hora de colocar o aluno sobre as suas próprias pernas, de fazê-lo andar e cair, sofrer dor e contusões e escolher a direção.

E o que é verdadeiro para a marcha – que só se pode aprendê-la com as próprias pernas e com as próprias quedas – se aplica igualmente a todos os aspectos da educação. (p. 452) Na concepção vygotskyana cabe ao professor e à professora serem os organizadores do meio social, que é considerado por ele o único fator educativo. Exige-se deles que deixe inteiramente a condição de estojo e desenvolva todos os aspectos que respiram dinamismo e vida. Em todo trabalho docente do velho tipo formavam se forçosamente um certo bolor e ranço, como em água parada e estagnada.

E aqui de nada servia a costumeira doutrina segundo a qual o mestre tem uma missão sagrada e consciência de seus objetivos ideais (VYGOTSKY, 2001, p.449). Para Freire (2002), a chamada educação bancária constitui um poderoso instrumento da necrofilia, na medida em que suprime o direito fundamental de todo homem e mulher de agir em sua própria história.

O professor e a professora que utilizam práticas autoritárias agem inferiorizando o ser, alimentando esse ciclo vicioso e fazendo com que a relação dominante/dominado não se altere. Numa perspectiva contrária, a educação libertadora proporciona ao indivíduo condições para atuar na transformação de si e da realidade.

A biofilia é o amor à vida, a essência da existência humana. O homem nasceu para a vida e é sua vocação estar comprometido com ela, refletindo sobre sua existência e sobre suas ações no e com o mundo para humanizá-lo cada vez mais.

Para Vygotsky (2001), os problemas da educação se resolverão quando se resolverem as questões da vida. A vida só se tornará criação quando libertar-se das formas sociais que mutilam, quando for um ritual estético, quando surgir de um arroubo criador luminoso e consciente.

O cenário do mundo Atual evidencia um movimento em direção a um sentido de inclusão social: todos os seres humanos passam a dividir a cena, coabitando os diversos espaços sociais. Nota-se, pois, um grande dinamismo experimentado pelos sujeitos num mundo onde conceitos e práticas assumem cada vez mais um caráter efêmero e de possibilidades múltiplas.

O reconhecimento do outro como protagonista do teatro da vida constitui o vetor da mudança de paradigma. O reconhecimento e o respeito pela diversidade é mais do que um simples ato de tolerância, é a afirmação de que a vida se amplia e se enriquece na pluralidade.

O que se almeja é uma sociedade baseada na eqüidade, na justiça, na igualdade e na cooperação, que assegure uma melhor qualidade de vida para todos sem discriminação de ninguém; que reconheça e assuma a diversidade como o fundamento maior para a convivência social. Urge que tenhamos uma mudança de mentalidade, onde todos participem da construção desse novo modo de ser e de estar no mundo.

Assim, ao tratar da inclusão deve-se levar em conta, sobretudo o não reforçar a separação dos sujeitos, mas acolher e favorecer o relacionamento entre todos. Para atingir este ideal, todas as comunidades deverão celebrar a diversidade em suas atividades e procurar garantir que as pessoas possam usufruir toda a gama dos direitos humanos: educacionais, civis, políticos, sociais, econômicos e culturais.

Não mais fundado no universal, o discurso atual passa a se constituir a partir do dado do múltiplo, ou seja, da diversidade. Ser diferente não significa mais ser o oposto do normal, mas apenas "ser diferente". Este é, com certeza, o dado inovador: o múltiplo como necessário, ou ainda, como o único universal possível.

Os pensamentos de Paulo Freire e Vygotsky vêm, em todos os sentidos, ratificar
o movimento de ruptura por que passa o mundo Atual em relação às práticas sociais de
exclusão. Compreender e assumir seus ideários significa posicionar-se integralmente no paradigma da inclusão.

Freire (1996) explicita esta posição ao afirmar:

O que quero dizer é o seguinte: que alguém se torne machista, racista, classista, sei lá o quê, mas se assuma como transgressor da natureza humana. Não me venha com justificativas genéticas, sociológicas ou históricas ou filosóficas para explicar a superioridade da branquitude sobre a negritude, dos homens sobre as mulheres, dos patrões sobre os empregados.

Qualquer discriminação é imoral e lutar contra ela é um dever por mais que se reconheça a força dos condicionamentos a enfrentar. A boniteza de ser gente se acha, entre outras coisas, nessa possibilidade e nesse dever de brigar. Saber que devo respeito à autonomia e à identidade do educando exige de mim uma prática em tudo coerente com este saber. (p. 67) Assim, ler o mundo e compartilhar a leitura do mundo lido; a educação como ato de produção, de reconstrução do saber, como prática de liberdade, afirmando a politicidade do conhecimento são pressupostos pertinentes tanto a Paulo Freire quanto a Vygotsky.

Entendemos, com base numa máxima freireana, que ninguém inclui ninguém;
ninguém se inclui sozinho; a inclusão decorre da união de todos na luta por uma
sociedade mais justa e mais solidária.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COLE, M., SCRIBNER, S. Introdução. In: VYGOTSKY, L.S. A formação social da
mente. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
14
FREIRE, Paulo. Algumas reflexões em torno da utopia. In: FREIRE, Ana Maria Araújo.
Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: UNESP, 2001. p. 85-86.
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______. Extensão ou comunicação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
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Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 5. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998.
______. Pedagogia do oprimido. 32.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
______. Sobre o conhecimento relacional. In: FREIRE, Ana Maria Araújo. Pedagogia
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GADOTTI, Moacir. Aprender, ensinar. Um olhar sobre Paulo Freire. Abceducatio.
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MOLON, Susana Inês. Subjetividade e constituição do sujeito em Vygotsky.
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SIMÕES JORGE, J. A ideologia de Paulo Freire. São Paulo: Loyola, 1979.
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