Autora: Izabel Sadalla Grispino * Retorno a um ponto capital da escola na formação do educando: o hábito da leitura.
A
criança, para se tornar um leitor, deve ter uma relação de
companheirismo com os livros, conviver com contos, romances, poesias,
textos de teatro, obras populares, obras clássicas da literatura
nacional e internacional, sempre ajustados à sua faixa etária. Esse
convívio com os livros facilita o incentivo do hábito de ler.
A
leitura freqüente leva a uma melhor escrita; quanto mais se lê, mais
domínio se tem sobre o texto escrito; leva a um raciocínio mais apurado,
a um mais alto nível de inteligência, a uma habilidade expressiva
aprimorada. A psicologia vem demonstrando que existe uma correspondência
estreita, uma forte correlação entre o nível de vocabulário e o
quociente de inteligência, isto é, entre o domínio da linguagem e a
inteligência. Quanto maior o número de palavras, quanto mais elaboradas
as comunicações – por exemplo, entre as crianças e o adulto – mais
potencializado fica o desenvolvimento da sua inteligência.
A
qualidade do ensino passa pelo hábito da leitura e a escola não pode
mais deixar o estímulo à leitura por conta da família, de sua herança
cultural, conforme fazia no passado. Hoje, a rede pública conta com uma
clientela bem diferente, de um nível sociocultural empobrecido e compete
a ela encaminhar a criança, e até mesmo sua família, à leitura.
A
escola precisa reservar em sua organização curricular, em seu projeto
pedagógico, um lugar especial para a leitura, para a literatura. Ela
deve promover atividades que intensifiquem a prática da leitura. Criar,
inovar formas de tratar o texto literário. Idealizar espaços para a
leitura, enriquecer o acervo de sua biblioteca, com variedade de textos
que sejam representativos das diferentes faixas etárias e da cultura
heterogênea de nosso povo. Emprestar os livros não só para os alunos,
mas também para seus pais e para toda a comunidade, melhorando o seu
ambiente, elevando o grau de cultura geral.
A escola deve criar a
hora do conto, podendo, neste setor, obter, inclusive, a colaboração
dos pais, que queiram dedicar um tempo para a escola, lendo ou contando
histórias para as crianças. Nessas circunstâncias, o voluntariado exerce
um papel tão importante, no despertar do gosto pela leitura, quanto o
próprio especialista da educação. Nas histórias lidas ou contadas,
deve-se ater à expressividade; ler ou falar com entonação, com ênfase em
determinados momentos, respeitando as pontuações, as exclamações, as
interrogações, as reticências, despertando emoções, provocando reflexão,
criando verdadeiros recitais. Esse ambiente de representação recupera a
arte, que foi deixada para trás, da récita.
A escola pode
convidar escritores, contadores de histórias, declamadores de poesia,
incentivando e motivando o universo imaginário da criança. Estas são
algumas das ações que se transformam em efetivos instrumentos
pedagógicos, capazes de conduzir o aluno ao prazer da leitura e a escola
ao significado maior que a literatura empresta ao seu currículo.
Essa
preocupação da escola com a leitura intensificou-se, principalmente,
depois do resultado do “Programa Internacional da Avaliação de Alunos”,
que mostrou o grande fracasso dos alunos brasileiros, em relação à
leitura e ao entendimento de texto. Só um longo descuido da escola
explica esse desastroso resultado! É, como se diz: “Depois da porta
arrombada coloca-se a tranca”.
Em 1997, através do Sistema de
Avaliação do Ensino Básico (Saeb), o MEC coletou informações para
averiguar se a escola estava ministrando um ensino de qualidade, se a
educação estava formando cidadãos capazes, inseridos no mundo atual. O
resultado foi bastante desolador. Revelou que o baixo aproveitamento e
queda do nível de aprendizagem aumentavam à medida que as séries
avançavam e isso vem se confirmando desde as avaliações feitas a partir
de 1990. Em alguns casos, nenhum aluno conseguiu dominar os conteúdos
mínimos da série em que estava.
Na análise de texto, não houve
interpretação e raciocínio, revelou o estudo do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), feito por especialistas da
Organização das Nações Unidas (ONU), chamados pelo MEC para avaliar o
fraco desempenho dos alunos, constatado no último Saeb.
Essa
entidade sugeriu mudanças. A título de exemplo, citaremos as mudanças no
ensino de português: “O modelo de ensino de português deve ir além dos
livros didáticos; o aluno deve ter contato com textos diferenciados,
desde os literários aos mais comuns, contato com jornais, revistas e até
mesmo com manuais de instrução”.
Um outro aspecto revelador da
decadência do ensino veio do resultado do questionário aplicado aos
alunos pelo Exame Nacional de Cursos, o Provão. Mostrou que os
universitários brasileiros lêem pouco e, como conseqüência, são pouco
criativos, pouco afeitos à pesquisa, à curiosidade científica.
No
Brasil perpetua-se a cultura oral, de ouvir falar. A falta de hábito de
leitura mostra que estamos formando profissionais medíocres,
divorciados das fontes escritas da civilização. O Provão revelou que, na
média nacional, 20% dos estudantes não leram nenhum livro no último ano
(1998), exceto os escolares. Em São Paulo, o índice cai para 18%.
Apenas 23,6% dos alunos leram mais de 4 livros em 12 meses.
O
mais triste é que o aluno pode aprender, na escola, a não ir além do que
o professor manda. Quando acontece de o aluno tomar a iniciativa de
avançar, o professor interfere, possivelmente amedrontado, impedindo o
seu crescimento pessoal. Usa da prerrogativa de que a orientação
recebida é mais do que suficiente.
Jacinto Brandão, então
coordenador do vestibular e vice-reitor da Universidade Federal de Minas
Gerais, lamentou o baixo índice de leitura entre os universitários e
concluiu: “Os que não lêem e não têm contato com os diversos tipos de
texto, certamente, terão maior dificuldade no mercado de trabalho, em
razão da falta de autonomia intelectual”.
A falta de curiosidade é
a razão da falta de interesse pela busca da leitura, dizem os
especialistas, e isso se refletirá na carreira profissional. Este
profissional será, sem dúvida, mais passivo, mais acomodado.
A leitura é a chave que abre as portas da realização profissional, de seu sucesso.
* Supervisora de ensino aposentada.
(Publicado em setembro/2002)